segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Vale a pena escrever? (Último artigo do blog)


O blog Correio Chegou chega ao seu fim. Foram 250 artigos.
Escrever na internet é algo curioso.
Um lado positivo é o hábito de colocar ideias no papel todas as semanas. Uma disciplina que traz muitos frutos e ajuda a ordenar o pensamento.
Um lado negativo é a falta de rostos que ofereçam uma pista para saber se há proveito, se somos chatos ou se chove no molhado. Colocar o polegar de curtir ou não curtir diz muito pouco.
Além disso, há a tentação de pensar que a minha opinião importa e que tenho algo de valor a ser dito. Isso deve soar estranho quanto tantos escorregam na vaidade mais tosca e no vedetismo digital. Nunca entendi o desejo de tirar selfies, de dizer nas redes sociais o que comeu no jantar de ontem e de querer ter seguidores. Devo ser de outro mundo.
Outro dia encontrei um livro raro de Gustavo Corção, intitulado “Dez anos”. Trata-se de uma seleta de textos que publicou em jornais cariocas entre 1946 e 1956. Corção, com quem tenho grande sintonia, começa colocando a pergunta: Para que serve escrever nos jornais? O que isso acrescenta? E ele acaba descobrindo. Não por pensamento, mas pelo encontro com o outro. Ou melhor, com a outra. Segue um trecho da crônica.
Dias há em que a gente fica triste com o ofício que tem. Imagino como não deve ser enervante para as cozinheiras, nesses dias, a atmosfera das frituras e a companhia das caçarolas; como não deve ser monótono para o ferreiro o gemido das bigornas; como não deve ser triste, muito triste, o vaivém da agulha na mão picada da velha costureira. Cada ofício é uma prisão. Se a gente tem o espírito largo dos santos, a prisão vira clausura de amor e torna-se recanto de paz; mas onde falta a largueza de coração, o ofício é ofício, e a prisão é a prisão: as coisas ficam sendo o que são pelo bagaço. E o cárcere do ofício é duro, asfixiante, enervante.
Ora, a minha profissão - assim me parece nesses dias á ainda mais triste do que as outras. A cozinheira vê seus pratos feitos, substancialmente constituídos; e vê a alegria da casa alimentar-se de seu feijão. O ferreiro vê o ferro curvar-se, conformar-se, e obedecer. E a costureira vê a perseverante agulha conquistar o pano de ponto em ponto, obrigando-o a seguir os contornos de um corpo e os movimentos de uma alma. Nesses ofícios tudo é concreto, tudo é palpável.
Considerem agora o meu. Que fabrico eu? Palavras. Escritas ou faladas, da manhã à noite, no papel, na sala de aula, ou diante de um microfone que esconde não sei quantos ouvintes —- talvez nenhum — eu cozinho palavras, eu forjo palavras, eu costuro palavras “Words, words, words...” Meu ofício é um ronronar que já dura trinta anos. Triste ofício. E não sou eu só que dele descreio. Tu também, amigo leitor, tu também não crês no meu ofício. Gostas de ler. Aprovas-me quando logro alinhavar com alguma felicidade os meus adjetivos ou quando prego com boa linha as minhas conjunções. Mas confessa: na verdade, não acreditas muito no valor dessa procissão de sinais escritos, e muito menos crês no fugaz valor do som articulado que sai duma velha garganta cansada de ronronar. Palavras hoje, palavras amanhã. Em tempo e contra tempo...
Quatro meses mais tarde, estando o nosso escritor à porta de uma livraria a ver passar o mundo, é abordado por uma moça risonha com sete meses de gravidez. E sem mais preâmbulos apresentou-se:
Naquela circunstancia eu estava de três meses. E não ia ficar. Tinha resolvido não ficar. Mas o senhor disse aquela frase...
A moça despediu se. Dobrou a esquina. O escritor viu ainda uma vez o majestoso perfil da gravidez, e quedou-se a pensar. Que frase? Não se lembrava. Salvara uma criança. Será menino ou menina?

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