Ofereço
a seguir um resumo da entrevista divulgada pela BBC de Londres, dez dias depois
de ter falecido uma mãe de três filhos, que sabia que ia morrer em breve devido
a um câncer inoperável.
- A
senhora acha que o médico fez bem em dizer-lhe que vai morrer e que lhe resta
pouco tempo de vida?
- Estou extremamente agradecida a esse médico. Talvez em
outros casos não fosse o mais acertado. Mas quanto a mim, sempre esperei que os
médicos me fizessem este favor. Antes da morte de meu pai, passamos os seis
últimos meses envolvidos numa rede de mentiras. Acredite, isso foi a coisa mais
terrível e penosa que me sucedeu na vida. Meu pai era um homem excelente, um perfeito cristão, saberia acolher a informação com paz
e nós não teríamos vivido aqueles seis meses de forma tão atroz.
- Aqui estamos, a senhora e eu, frente a
frente. A senhora sabe que vai morrer dentro de pouco tempo e eu sei que a
senhora sabe. Posso perguntar-lhe o que sente, agora que se aproxima o
desenlace?
- Bem. O senhor já passou uma noite inteira
trabalhando? Apossou-se do senhor, alguma vez, uma ideia maravilhosa que o
impedia de dormir e o obrigava a passar a noite escrevendo? Experimentou
alguma vez uma paixão tão forte que o obrigasse a passar a noite inteira à
janela vendo a lua descer no horizonte? Bem, se o senhor já fez alguma destas
coisas, compreenderá a impressão que se sente quando vem a escuridão e o mundo
se cala. Terá conhecido esses momentos notáveis entre as duas e as quatro da
manhã, em que o corpo está em repouso, mas o espírito desperto. Percebe-se a
verdade, a escuridão dissipa-se e a luz volta. Para mim, pessoalmente, a morte
nunca foi outra coisa senão a passagem de um dia para outro.
- Agora que se aproxima a morte, o que é que a
senhora mais teme?
- Não temo o desconhecido. Tenho três filhos cujas idades vão dos
treze aos dezenove anos. Eles são quase toda a minha vida. Mas como cristã que
sou, sei que só morremos quando Deus quer e não em outro momento, e que, se Ele
me chama, Ele velará por eles. Então... isto, no fundo, não é tão espantoso.
- A senhora sente algum pesar pelo tempo
perdido ou pelas coisas que teria podido ou devido fazer?
- Claro que sim. Mas olhe, sempre achei que a
melhor coisa era sentar-se ao sol e dar graças a Deus pela sua Divindade. No
colégio, quando era pequena, a Irmã dizia que, se queríamos avaliar uma coisa
no seu justo valor, era preciso perguntarmo-nos como consideraríamos essa coisa
no nosso leito de morte e dizer: «Se eu morrer esta semana, tal ou qual coisa
teria sido importante?» Estas ideias dão uma excelente escala de valores quando
se pensa nos amigos, no trabalho ou seja no que for. Agora, em suma, pesa-me
não ter rezado bastante e não ter amado bastante.
- Que entende por «não ter rezado bastante»? Porque
sem dúvida a senhora rezou muito.
- Mas, diga-me, o que é que o senhor entende por
rezar?
- Seria melhor que a senhora mesma o dissesse...
- Ensinaram-me que a oração consiste em elevar a
alma e o coração a Deus. À medida que os anos foram passando, percebi que orar
é despojar-se de si mesmo, de todo o seu ser, até que não fica na alma senão
uma zona de paz, que se oferece ao Senhor e que Ele preenche com a sua bondade,
a sua divindade. Percebi que a ação deve proceder da oração; e que toda a ação
que não tenha a sua origem na oração não conduz a nada. Muitas ações da minha
vida não foram acompanhadas de oração e por isso acabaram em nada.
- A senhora diz que sente não ter amado bastante. Que entende exatamente por
isso? A senhora tem marido e três filhos, e estou certo - basta vê-la - de que
os ama muito. Em que é que a senhora pensa que lhe faltou amor?
- O
senhor pode definir o amor? Pessoalmente, creio que o amor não tem nada a ver
com reações e emoções agradáveis. Olhe para o Crucifixo. É a negação de si
mesmo, e para todo o cristão simboliza o Amor. Mas depois da Sexta-Feira Santa
vem a gloriosa surpresa da Páscoa. Para toda a pessoa que se diz cristã, o amor
é parte integrante de tudo isso e também parte integrante da sua vida.
- Bem.
Suponhamos que agora lhe restam dois meses de vida. Como vai preparar-se para
passar este tempo? Todos os momentos estarão ensombrecidos pelo pensamento de
que vai morrer?
- Que
disparate! Isso não tem pés nem cabeça.
- Nem
tanto, porque há gente que diz: «Por que isto tinha de acontecer comigo? Deus é
injusto por fazer que isto aconteça comigo». Gostaria, pois, de saber quais
são as suas reações, como vai a senhora passar estas últimas semanas ou meses
da sua vida.
- A vida
é um dom imenso, é o maior dom que Deus nos pode fazer. E a vida da alma, a verdadeira
vida, é eterna, não cessará com a morte do meu corpo. O meu corpo é a parte
menos importante do meu ser. Quando o médico me disse que eu ia morrer, que
era melhor que voltasse a internar-me no hospital, respondi-lhe: «Não, desculpe;
agradeço-lhe muito que me tenha dito a verdade, mas vou agarrar-me à vida, não
vou voltar ao hospital». Discutimos, porque ele achava que eu devia voltar ao
hospital para esperar ali o meu fim, e outras coisas mais... Acho que foi a
Santo Inácio que, num momento em que varria um corredor, os seus noviços lhe
foram perguntar o que é que faria se de repente tivesse a certeza de que o
mundo acabaria dentro de dez minutos. «Continuaria a varrer este corredor»,
respondeu. É isto precisamente o que eu vou fazer, e não só porque amo a Deus,
mas porque estou convencida de que Deus me ama.
- Não
me fará a senhora pensar que, por saber que vai morrer, não vê a pouca
importância de algumas coisas e a muito grande de outras... Irá continuar
simplesmente a fazer o que fazia antes de saber que vai morrer?
- Oh não!
Em primeiro lugar, Deus não me permite, porque as minhas forças físicas diminuem
sem parar. E como não consigo orar bem, pois nunca rezei muito, voltei aos meus
costumes preferidos de quando era jovem antes de casar--me. Concedo-me o
privilégio de ir à missa e comungar todos os dias. Mesmo que não se consiga
dirigir uma prece ao Senhor, sempre se pode obter consolo pensando nEle.
Pode-se oferecer-lhe a nossa presença, a nossa oração, que é algo que
reconforta todo o dia.
- Há
coisas que agora lhe parecem importantes e que antes não lhe pareciam, ou,
pelo contrário, há coisas que agora lhe parecem sem importância e antes lhe
parecia que tinham?
- Posso
dizer-lhe algumas coisas que agora me parecem importantes. Vejo muitos pais com
os seus filhos. [...] Acho que os adultos estão tão absorvidos pelo lado
material da vida que acabam por perder o contato com os seus filhos. Se
refletissem por uns momentos e dissessem de si para si: «Na semana que vem
talvez esteja morto. O importante é que o meu filho saiba que eu, seu pai,
sinto amor por ele, que o acho o melhor dos rapazes», se os pais pudessem dizer
a cada um dos seus filhos: «Respeito-te, estou orgulhoso de ti, amo-te», tenho
a certeza de que os filhos se esforçariam por merecer o respeito de seus pais.
Outra
coisa: trata-se de olhar de frente o pior que nos possa acontecer. Se damos as
costas ao que nos apavora, sucumbimos ao terror; mas se fazemos frente ao que
nos horroriza, ou a natureza disso muda ou percebemos que contém algum
ensinamento salutar enviado por Deus.
Estou
também convencida de que não abrimos muito lugar para Deus na nossa vida quotidiana.
Tem-me sucedido com frequência que, quando vou à igreja, digo: «Senhor, se
queres que dê de comer aos que me rodeiam nesta semana, terás de enviar-me
comida ou dinheiro». Pois bem, acredite: a minha oração sempre foi escutada.
- Se
eu fizesse isso, tenho a impressão de que seria um pouco ingênuo, quase
supersticioso.
- Eu
penso que é preciso entregar-se a Deus antes de esgotar todos os recursos. O
senhor é pai de família. E não estaria contente se o seu filho chegasse ao
último extremo sem antes lhe ter pedido ajuda. Sendo assim, por que não se
porta da mesma maneira com Deus?
- Mas
então por que a senhora não espera um milagre? Por que se resigna a morrer e
não se volta para Deus e lhe diz: «Meu Deus, faz um milagre, faz que me cure»?
- Todos
os dias digo a Deus: «Meu Deus, morrerei quando Tu quiseres que eu morra, não
quando os médicos me disserem que vou morrer». Penso que fazer um milagre é
suspender as leis da natureza. Por que havia Deus de fazer um milagre por mim?
- E
por que não?
- Se Ele
quiser fazer um milagre, há de fazê-lo.
- E
se Ele não quiser, sentir-se-á magoada?
- De
maneira nenhuma.
- Acho
que compreendo o que quer dizer. Quando as crianças pedem às vezes certas coisas,
os pais compreendem perfeitamente por que o fazem, mas sabem também que não
podem satisfazê-las, quer por ser impossível ou porque lhes seria prejudicial.
Mas a senhora não tem um pouco a impressão de que isso é injusto e de que há às
vezes isso que se podia chamar de mortes trágicas? Por exemplo, uma jovem mãe
que é boa, que teme a Deus, que cumpre os seus deveres de piedade e ama Jesus,
e Deus a chama a si. E outras que não se preocupam com nada, que fazem estragos
por toda a parte, e vivem até os noventa anos. Não lhe parece um pouco estranho,
um pouco injusto?
-
Lamento ter de responder-lhe que tudo isso a que chamam injustiça é uma tolice.
Nós não podemos arrogar-nos o direito de decidir o que é justo ou injusto. Deus
é Amor, Deus é Justiça. Além disso, prefiro acolher-me mais à misericórdia
divina do que à sua justiça [...]. Como cristãos, nós percebemos um resplendor
no horizonte. Este resplendor dá um sentido totalmente diferente à vida.
- Georges
Harrison, um dos Beatles, disse num artigo que provavelmente retornaria ao
cristianismo, porque nenhuma das outras doutrinas que examinou lhe deu a
resposta que procurava. O que desejaria saber é o que nós fazemos aqui em
baixo, qual é o sentido da vida para os seres humanos.
- Deus
criou-me e trouxe-me ao mundo para que o conheça, o ame e o sirva neste mundo,
e conheça a felicidade da sua presença no outro.
- A
senhora cita textualmente o catecismo.
- Ele
faz parte de mim mesma.
- Procure
exprimi-lo à sua maneira. Qual é o sentido da vida para os humanos?
- Quando
um rapaz diz a uma moça: «Amo--te, casa-te comigo», e depois se casam, estão
unidos para toda a vida. Não ficam repetindo o tempo todo: «Amo-te, amo-te». O
cristianismo é assim. O senhor pertence a Cristo, a sua própria vida é um
testemunho cristão; o senhor deve amar e servir a Cristo nos outros. Não
chegará a isso só pelo pensamento ou pela palavra: chegará pela maneira de
comportar-se. Penso que damos demasiada importância ao lado intelectual da vida
e à ação. Mas pode-se chegar tão bem a Deus pelo amor como pelo pensamento.
- Uma
última pergunta. Acho que se vai aborrecer se lhe digo isto. Tenho pensado com frequência
que, quando chegar a minha vez de morrer, gostaria de abraçar pela última vez a
minha mulher e os meus filhos e afastar-me com ar alegre, deixá-los e
desaparecer. Tenho um plano secreto na cabeça: digo para mim que irei para um
certo lugar que conheço, muito longe da minha mulher e dos meus filhos, onde
haverá uns amigos a quem direi: «Venho aqui para morrer; quereria que
cuidásseis de mim, porque eu morrerei, e a minha mulher...» A senhora ri.
- O
senhor faz-me pensar num elefante. É o que fazem os elefantes quando pressentem
que vão morrer.
- A
senhora diz que a faço pensar num elefante; porque não quero ter à minha volta
as pessoas que amo quando começar a delirar ou a entrar em coma.
- Nosso
Senhor levou a sua cruz até o Calvário e a sua Mãe o seguiu. Era uma mulher e
permaneceu ao pé da cruz enquanto o seu Filho morria nela. Ele, o Filho,
aceitou isso, e não houve amor e compreensão mais perfeitos. Por que não
fazermos nós o mesmo? Não podemos amar-nos também dessa maneira no Senhor?
- Então
a senhora quereria ter à sua volta as pessoas que mais ama?
- Não
tenho refletido muito nisso, mas sou muito feliz abandonando-me nas mãos do Senhor.
Porque sei que posso morrer no ônibus, rodeada de estranhos, e, sendo assim,
por que me hei de preocupar com isso?
- Isto é tudo;
não há nada que acrescent
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