Gostamos de viver com
estereótipos. Facilitam e simplificam nossa visão do mundo e das pessoas. Só
tem um problema: não correspondem à realidade. Pense em um surfista, uma
socialite ou em um empresário. Com essas poucas palavras já captamos quem são,
como vivem, como pensam. Pobre gosta de pagode, rico gosta de caviar, brasileiro
gosta de samba, francês é romântico. Estamos cheios de estereótipos.
Depois aplicamos os
estereótipos a nossa vida: sou jovem e tenho que “curtir a vida”, sou adulto
preciso crescer profissionalmente e ganhar dinheiro, sou vovó e vou cuidar dos
netos. A vida fica completamente encaixotada, previsível, genérica.
Neste post vamos
falar de Ann Russell Miller, uma mulher que quebra todos os estereótipos e pode
nos ajudar a repensar o modo como vemos a vida. Não me refiro ao fato de que
algumas pessoas – sobretudo na crise da meia idade – jogam tudo para o alto e vão
experimentar novas formas. Isso é um rebote da adolescência, fruto da rebeldia
que todos levamos dentro, das paixões que fervem, de ver que a vida vai passando e querer
consumi-la enquanto é tempo. Ann Russell Miller não fez nada disso. Pensou com
calma, ponderou a necessidade das pessoas ao seu redor e não teve receio de
fazer no ocaso da vida algo que até os jovens não tem coragem de fazer.
Trajetória
O pai de Ann foi
presidente da Southern Pacific Railroad e o pai de seu marido fundou a Pacific
Gas & Electric. Dinheiro não era problema para quem era conhecida como a
Rockfeller da costa oeste: mansão em São Francisco, iate no Mediterrâneo para
passar as férias, tudo do bom e do melhor. Ela e seu marido tiveram 10 filhos e
18 netos.
Em 1987, em dois
almoços separados - um para cinco filhas e outro para os cinco filhos cujas
idades variavam de 56 a 38 anos - ela anunciou que pensava entrar para um
convento dali dois anos. E não apenas qualquer convento, mas o mais rigoroso -
um convento de clausura de carmelitas descalças.
Em 1989, com 60 anos
de idade, organizou uma festa no hotel Hilton. "Os primeiros dois terços da minha vida foram dedicados para o mundo",
disse a 800 amigos enquanto apreciavam música de duas orquestras contratadas, caviar,
frutos do mar e vinhos finos. "O
último terço será dedicado a minha alma”.
No dia seguinte, ela
voou de Illinois e entrou pela porta do mosteiro das Carmelitas em Des Plaines.
Está lá até hoje. Chama-se irmã Maria
José.
Todos os filhos
estavam certos de que ela não aguentaria aquela vida muito tempo. "Por alguns anos, eu esperava um telefonema
dizendo que ela estava voltando", disse seu filho Mark Miller. "O convento é a antítese de tudo o que ela
era do lado de fora. Ela era muito dinâmica, sempre planejando algum evento, acontecendo."
Os 10 filhos
Pobreza,
castidade e obediência
Santa Teresa de
Ávila, a fundadora da ordem, disse que o desejo da carmelita é "ficar a sós com Deus". Estas não
são freiras que saem para ajudar os pobres: irmã Maria José e as outras 16 monjas
ficam sempre atrás dos muros do claustro. As Carmelitas madrugam, passam o dia
rezando, fazendo tarefas como varrer, preparar a comida. Quem quiser ter uma ideia
melhor leia a autobiografia de Santa Teresa, O Livro da Vida.
Ann Miller nunca
estava sozinha até os 60 anos. Em cada viagem que fazia levava consigo muitas
pessoas, padres, celebridades e suas crianças. Recebia muitas vezes na sua
mansão de nove quartos e oferecia jantares para 40 pessoas. Trabalhava
levantando fundos para organizações do terceiro setor, passando 5 horas diárias
no telefone e chegou a fazer parte da diretoria de 22 organizações ao mesmo
tempo. A vida monástica significava abrir mão não somente do telefone ou de
assentos em diretorias: significa nunca mais ver os seus filhos a não ser que
eles fossem ao convento e, mesmo assim, nunca os abraçaria.
Irmã Mary Joseph
dorme em uma prancha de madeira coberta por um colchão fino em uma cela. Ela
usa meias, sandálias e um hábito marrom feito com um tecido grosso. Quando ela
era Ann Miller, parecia ter feito voto de gastar tanto dinheiro quanto
possível. Fazia esqui na Áustria, rafting com toda a família e tinha uma
coleção de sapatos - Versace, Givenchy, Armani – de dar inveja em Imelda Marcos.
Antes de ir ao convento Ann distribuiu
suas jóias entre seus filhos, vendeu sua mansão e doou o resto para obras de
caridade.
Irmã Mary Joseph teve
que se ajoelhar tantas vezes para pedir perdão a Priora por infrações cometidas que chegou a comentar bem humorada, a existência de uma marca no chão do convento com a forma
dos seus joelhos. Não foi fácil para Ann adaptar-se as regras do convento. Era
uma mulher de caprichos e conhecida por ser mandona. Mark acredita que o voto
de obediência foi o mais difícil para sua mãe. Ele acreditava que as freiras
colocariam sua mãe no próximo avião para São Francisco para se livrarem daquela
mulher difícil.
Irmã Maria José não
foi embora. Leva uma vida simples, cuida do jardim, fabrica rosários, ora
silenciosamente em sua cela, lê livros espirituais. Tem também visitas
frequente. Os visitantes vão para o locutório onde se fala através de uma
janela com um conjunto de grades duplas de ferro. Muitos desses visitantes saem
do convento com as carteiras mais leves. Ela sempre consegue extrair um cheque deles
e, com isso, conseguiu sanar as finanças do seu convento bem como de outros cinco
da sua ordem.
A escolha de Ann foi
um ato de fé, disse a filha Janet, "É
como aquele ditado - para aqueles que acreditam, nenhuma explicação é
necessária, e para aqueles que não acreditam, nenhuma explicação é possível".
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