quarta-feira, 9 de julho de 2014

Brasil preguiçoso




Queremos emprego que não precise trabalhar,
 emagrecer comendo tudo e
ensino de qualidade sem exigência.


Vou dar a cara para bater. O maior problema do país e dos brasileiros é a preguiça. Simples assim. Pega mal ter um diagnóstico tão bocó. Preferimos buscar respostas mais rebuscadas. E cobre-se a preguiça com mil e um disfarces cada vez mais elegantes e sofisticados.
Há muitas leituras do Brasil feitas por Sergio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Roberto da Matta, Lívia Barbosa. Não quero me meter com eles. Quero sim enfrentar as ideologias que se introduziram nestas terras que estão em cada livro, botequim, jornal e sala de aula. Ideologias que mantém o país numa mediocridade sem paralelo.
Antes de tudo devo esclarecer que gosto cada dia mais do meu país. Este é o motivo que leva a escrever este texto. Gosto do seu povo, do qual faço parte. Não meço um país pelos índices – Pib, Idh – porque penso que a cordialidade, abertura, tolerância e humanismo deste nosso Brasil não tem preço. Visito favelas e vejo vida que não encontro em coberturas à beira mar. O fim de um povo não pode ser apenas competência e organização. Como diz Lipovetski, produto nacional bruto não é o mesmo que felicidade nacional bruta. Dito isto, fico tranquilo para reconhecer que temos muitas mazelas e que a solução delas não está apenas na técnica, na melhoria da educação, em dispor de mais recursos, mas também – e não menos importante – em superar a preguiça.
Há dois estágios. O primeiro é reconhecer a preguiça. O segundo é vencê-la. O problema das ideologias que adotamos é que elas não querem reconhecer a preguiça. Negam rotundamente, porque isso seria admitir que devemos mudar o nosso comportamento, que temos parte da culpa. E muitas pessoas não querem ouvir isso. Preferem dizer que a culpa é do sistema.
Vamos às ideologias que disfarçam a preguiça.
Socialismo. Reconheço que há pessoas que se preocupam com os bolsões de pobreza e acusam corretamente a avareza de certos grupos. Mas há muita gente que se diz socialista para poder receber um naco da receita nacional sem ter que trabalhar. Querem diminuir as desigualdades porque vem aí uma chance de ser sustentados. O próprio socialismo, historicamente falando, degenerou em duas ideologias nefastas: o igualitarismo e o “oportunismo”.
Igualitarismo. Todos devem receber o mesmo, independente dos seus esforços é a reivindicação da turma da moleza. Na universidade pública, um professor que produz bons artigos, dá boas aulas, não pode ganhar mais por isso. Os que não fazem nada logo aparecem para dizer que devido a problemas de saúde, falta de recursos, clima inadequado, etc. não puderam produzir os mesmos resultados e seria injusto que não recebessem o mesmo salário dos que produzem. 
Oportunismo”. Pegando o gancho acima, estamos convencidos de que o problema é sempre do meio social, nunca da pessoa. ”Coitado, não teve oportunidade para estudar, não teve oportunidade de ter emprego, não teve recursos, equipamentos, perspectivas, etc.”. Somos um país de imigrantes. Vieram de distintos países há mais de 100 anos sem dinheiro, analfabetos, sem entender o nosso idioma e se fizeram na vida. Como? Vencendo a preguiça, não reclamando e trabalhando. E ainda tiveram que ouvir os preguiçosos dizerem que eles vieram roubar o Brasil. Não resisto a contar um caso impressionante que aconteceu no Azerbaijão, que fica no Cáucaso, ao sul da Rússia. No século XIX, um grupo de colonos alemães cansados das guerras europeias pediram permissão ao Czar de irem para seu império. Foram destinados ao Cáucaso que era uma região completamente miserável. O grupo de alemães chegaram ao local, trabalharam a terra, conseguiram produzir todo tipo de alimentos. Fizeram suas casas simples e dignas, com adega para guardar o vinho que produziram. Casaram-se entre si e formaram um oásis na região. Chegou o ano de 1941, a Alemanha invade a Rússia e Stalin retira todos esses alemães e os envia a Sibéria. A população local aproveitou para tomas posse das suas terras e das suas casas. Em pouco tempo, a miséria tomou conta de tudo. Como se explica isso? Preguiça.


Importamos a ideologia das minorias. Arranje uma minoria e você consegue entrar no ônibus sem pagar, pensão do Estado, cota para entrar na universidade, reserva de vaga no emprego, reserva de terra para índios... E ai de quem ousar criticar essas minorias! Um monstro preconceituoso. Quanta preguiça se esconde aí.  E estes são preguiçosos ferozes!
Somos um país relacional. Aqui se consegue mais sendo amigo do que sendo competente. Mesmo no setor privado, médicos, professores, administradores conseguem uma boquinha se são amigos de quem tem poder para contratar. Uma vez dentro da patota não é preciso se esforçar muito. Basta ser gente fina. Se a pessoa é um operário, um técnico, também há o sindicato. Entre aí e terá seus problemas resolvidos. Em nome dos trabalhadores os sindicalistas deixam de trabalhar para sempre, vivendo a custa dos trabalhadores.
Se você é artista, aí fica mais fácil ainda viver na preguiça. Um cineasta, um músico, uma atriz são, por definição, geniais e prestam um grande serviço a nação. Merecem ser custeados com todo tipo de auxílios. Não interessa se o filme é ruim ou se a música é sofrível. Aliás, é um pecado dizer isso, pois todos já estão consagrados. E tome cachê, lei Rouanet, patrocínio de empresas estatais que pagam antes do filme e do show ser realizado. Claro que um gari, um dentista não prestam um grande serviço à nação, não tem suas obras consagradas e devem ralar todos os dias para sobreviverem.
E tem ainda a preguiça geral. Com que tristeza tantos brasileiros vão trabalhar! Com que má vontade fazem seus trabalhos! Preguiça de dar aula e corrigir provas, de fazer bem o conserto do cano, de despachar um processo, de estudar, de escrever. Veja a diferença de um site ou blog nacional para um norte-americano. Vá na Wikipedia, num blog sobre plantas tropicais ou sobre filmes: aqui se escreve duas linhas e se enche o resto de fotos. Temos orgulho da ginga nacional, do talento dos nossos jogadores, mas treinar que é bom, nada. Pergunte ao Oscar como se destacou no basquete? Horas e horas extas de treino para acertar a mão. Pergunte ao Zico como se tornou um bom batedor de faltas? Ficando horas depois do treino repetindo e repetindo os mesmos chutes? Pergunte ao Nelson Freire como conseguir tocar bem piano. E por aí vai.
Segundo o IBGE 9,6 milhões de brasileiros entre 15 a 29 anos não estudam nem trabalham, conhecidos como nem-nem. Se tivéssemos só 10 milhões de preguiçosos de carteirinha não seria mal. O problema são os que pseudo-trabalham e os que pseudo-estudam. Some a isso os que tem mais de 29 anos e podemos chegar a que metade da população está deitada eternamente em berço esplêndido.
E se há preguiça no trabalho, podemos imaginar como é na vida doméstica. Preguiça para acordar e levantar da cama, de arrumar as roupas, de fazer a barba... Horas e horas deitados com o controle remoto na mão vendo o noticiário e reclamando que o Brasil não dá certo.
Do famoso teste do Marshmallow  no final dos anos 60 para cá, muitos estudos foram feitos acompanhando pessoas ao longo da vida. Cada vez fica mais claro que o grau de autocontrole (disciplina; vencer a preguiça) é o melhor indicador do sucesso como adulto, seja do ponto de vista familiar, financeiro, profissional e até da saúde. Força de vontade indica mais do que classe social, riqueza dos pais ou QI. A força de vontade leva a um melhor relacionamento pessoal, segurança, resiliência, ajuste emocional e sentido de realização. Isso explica algumas das nossas mazelas individuais e sociais.
Se chamarmos alguém de burro, a pessoa fica ofendida. Se dissermos a alguém que ela é “meio preguiçosa” ela sorri e acha graça. Burrice não é categoria moral. Preguiça é. No céu há burros, mas não há preguiçosos. Há um lado terrível na preguiça: não querer ser o que se pode ser. 

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