quarta-feira, 2 de julho de 2014

Complexo mídia academia parte 5 O caso dos bebês enterrados na Irlanda



Todos recordamos a recente noticia de que encontraram na Irlanda uma cova com centenas de corpos de bebês enterrados junto a um convento de freiras. O que nos contaram foi o seguinte:
“Quase 800 esqueletos de recém-nascidos foram encontrados em uma cova de cimento, ao lado de um antigo convento católico da cidade de Tuam, na Irlanda. O local abrigou mães jovens e solteiras, entre 1925 e 1961. Os bebês foram enterrados secretamente pelas freiras sem caixões ou lápides. Especialistas acreditam que as mortes foram causadas por desnutrição, pneumonia, tuberculose e até maus-tratos. Autoridades da Igreja disseram desconhecer os fatos. O governo irlandês não comentou o assunto”.
Este é o texto literal que saiu no site de notícias da UOL e quase idêntico ao que saiu no resto da imprensa.
Que leitura podemos fazer dessa notícia? É simples: as freiras católicas são umas bruxas malvadas que oprimiam as mães solteiras da época e maltratavam seus bebês. Além disso, é mais um caso que explica o preconceito cristão contra a mãe solteira. É preciso condenar as freiras, fazer a Igreja Católica pagar uma indenização milionária e aprovar leis que permitam a mulher fazer um aborto seguro. A Anistia Internacional – um órgão que nunca incomodou Cuba – divulgou uma nota oficial com apelo para uma investigação mais completa, para ver se isso acontecia também nos lares católicos da Irlanda ao longo de todo o século XX.
Quanta bobagem! E não sou eu que digo, mas os próprios protagonistas da notícia.
Quem levantou o caso foi uma historiadora local, Catherine Corless. Ela descobriu a cova e contou para a imprensa. Ao ver como a notícia saiu ela ficou desconcertada. Ela voltou aos jornais para afirmar que sua pesquisa fora deturpada: "Eu só queria uma placa para as crianças terem seus nomes lembrados. Foi por isso que eu fiz este projeto, e agora ele tomou uma vida própria ".
Mas o mais interessante e raríssimo aconteceu: A AP – Associated Press, uma das maiores agências de notícias do mundo e fonte para tudo o que foi publicado sobre o assunto aqui no Brasil – emitiu um comunicado afirmando que errou e pede desculpas. O texto original completo segue abaixo com negrito nosso:
DUBLIN (AP) — In stories published June 3 and June 8 about young children buried in unmarked graves after dying at a former Irish orphanage for the children of unwed mothers, The Associated Press incorrectly reported that the children had not received Roman Catholic baptisms; documents show that many children at the orphanage were baptized. The AP also incorrectly reported that Catholic teaching at the time was to deny baptism and Christian burial to the children of unwed mothers; although that may have occurred in practice at times it was not church teaching. In addition, in the June 3 story, the AP quoted a researcher who said she believed that most of the remains of children who died there were interred in a disused septic tank; the researcher has since clarified that without excavation and forensic analysis it is impossible to know how many sets of remains the tank contains, if any. The June 3 story also contained an incorrect reference to the year that the orphanage opened; it was 1925, not 1926.
É raro uma agência de imprensa reconhecer que cometeu um erro tão grave. Certamente que essa retificação não receberá o mesmo espaço na imprensa.

O que aconteceu
Ao que tudo indica, o que houve naquele lugar da Irlanda foi que algumas mulheres daquele lugar engravidavam foram do casamento como em qualquer época ou lugar e pediam auxílio a essas freiras que caridosamente as recebiam e prestavam todo tipo de auxílio. A Irlanda dessa época era um lugar extremamente pobre – uma Etiópia dos nossos dias -.  As covas, ou valas, eram em número de 20 e foram usadas entre 1926 e 1937. Nesse período 204 crianças morreram naquela casa - uma média de 17 por ano. 17 mortes em cada 200 crianças é igual a uma taxa de mortalidade de 8,5%. É interessante comparar com o resto do país no momento. Em 1933, a taxa de mortalidade infantil em Dublin foi de 83 por mil (ou seja, uma taxa de mortalidade de 8,3%), em Cork era de 89 por mil (8,9%), em Waterford era 102 por mil (10,2%) e em Limerick era de 132 por mil (13,2%).   Um relatório Conselho de Heath em 1935 descreveu-a como "uma das instituições mais bem administradas do país" e, em 1949, um jornal local disse que uma inspeção havia encontrado “tudo em muito bom estado e parabenizou as irmãs em excelentes condições”.

Conclusões

Porque se cometem esses erros que são verdadeiras calúnias, calúnias que demoram décadas e décadas para serem apagadas da memória coletiva?
Em parte há ignorância. Pergunte a um engenheiro o que acha das notícias técnicas que saem nos jornais. Particularmente penso que o caderno de ciências é a parte mais engraçada dos jornais. Quanta besteira! E os jornalistas quando falam de religião são ignorantes ao extremo de pensarem que as epístolas são as irmãs dos apóstolos. Quem vê a grade curricular de um curso de graduação em jornalismo e o que é ensinado entende bem o problema: a grande maioria sai da universidade sem cultura geral e geralmente com uma boa bagagem de festas e maconha nas costas.
Há também má vontade. A grande parte dos jornalistas não gosta das religiões e muito menos do cristianismo. Qualquer deixa eles aproveitam para interpretarem uma notícia a seu modo. Outros são indiferentes, mas vem o mundo sob uma perspectiva maquiavélica: mocinho x bandido. Não há meio termo e eles decidem quem vai ficar de um lado e quem vai ficar do outro.
Além disso, há também as agências de relações públicas. Todo o caderno de ciências de um jornal é alimentado por essas agências, pagas por laboratórios ou ONGs, que enviam material para os jornalistas na esperança de ser publicado. E como o jornalista vive à cata de notícia todos os dias... Isso acontece nas colunas de celebridades, na editoria de negócios, em toda a parte.
Para dar um exemplo, veja o que ocorreu no caso das células tronco-embrionárias. Em 2003 o governo Busch proibiu o uso de embriões em pesquisas. Em 2004, 16 empresas de pesquisa norte americanas desembarcaram no Brasil a busca de um lugar para trabalharem. Contrataram uma agência de relações públicas para influir na opinião pública e nos políticos. Prometeram cura para paralíticos e levaram-nos à Brasília para fazerem pressão nos deputados, enviaram cientistas que ganham salário dessas empresas de pesquisa para darem entrevistas e bloquearam cientistas que opinavam o contrário.  Enviaram matérias para os jornais de forma a apresentar a aprovação da lei como uma luta da ciência contra a fé, da razão contra o obscurantismo, dentro do esquema maquiavélico que falamos.  Resultado: em março de 2005 foi aprovada a lei que permitia pesquisa com embriões. A agência de relações públicas que fez esse trabalho utiliza esse trabalho até hoje como um caso de sucesso para vender seus serviços para outros clientes.
Já se sabia na época que as células tronco-embrionárias são altamente tumorosas e cancerígenas, enquanto as células tronco de tecidos adultos conseguem resultados positivos. Passados 9 anos ninguém se curou, a pesquisa com esses embriões recrudesceu, as empresas voltaram para os EUA com a liberação do governo Obama e a imprensa continua a noticiar novos avanços no uso de células tronco sem mencionar que são de tecidos adultos, para que continuemos a pensar que são de embriões. A partir de uma fonte da diretoria do blog sabemos que um jornalista de um jornal de São Paulo foi impedido pela sua editora de fazer uma matéria na época procurando jogar luz sobre os dois lados da polêmica. A editora do jornal disse que já tinha uma opinião formada e que não permitiria reportagens sobre “o outro lado”.
Leia com cuidado as notícias. Não tire conclusões apressadamente. A diretoria do blog está preparando um pequeno dicionário e dicas de como ler um jornal sem se contagiar com o vírus idiotisimus innocens.

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