O
amor sempre sofreu as mais cruéis restrições, repressões, maldições,
mas
continuava como um íntimo tesouro.
Não se tinha como destruir o sentimento.
Pela primeira vez, com a pílula, descobriu-se um meio de chegar lá.
Nelson Rodrigues
A
descoberta da pílula anticoncepcional permitiu a revolução sexual. Essa
revolução parece que trouxe felicidade para muitas pessoas. Não fosse assim não
se venderia tanta pílula nem o mundo teria mudado tanto.
Mas
essa é uma felicidade peculiar, do tipo que o prazer de beber trás. Uma
felicidade que vem junto com outras coisas que não são queridas, que são tristes.
Alguns
reconhecem isso outros não. Afinal todos procuramos justificar as nossas
escolhas e, uma vez feitas, viver com elas. Nem gostamos de pensar que nossas
escolhas não foram boas.
A
partir dos anos 60 a libertação sexual foi acompanhada por um crescimento
expressivo das estatísticas de divórcios, abortos, gravidez precoce, abuso de
menores, etc. que trazem um custo não só para o indivíduo como para a
sociedade. Há também aqueles custos difíceis de mensurar como o trauma das
crianças com lares desfeitos, depressão, solidão, etc. A correlação causal
entre esses dois fenômenos – libertação e sofrimento – é apontada em muitos
estudos publicados em universidades. Certamente que sempre podem ser rejeitados
e contra-argumentados como ocorre em todo saber social, no entanto, parece
incontestável que a libertação – esse é o nome que damos – sexual deveria fazer
as pessoas mais felizes, mas os estudos sobre felicidade apontam que a mulher
de hoje se considera menos feliz que a sua avó.
Em
2009, por exemplo, dois economistas de Wharton, Betsey Stevenson e Justin
Wolfers publicaram o paper “The paradox
of declining female happiness” onde, usando dados recolhidos durante 35
anos pela General Social Survey observam que as mulheres – relativamente e
absolutamente - tem sido menos felizes que os homens, sobretudo no mundo
industrializado e emancipado. O que aconteceu? Onde erramos?
Marry him!
é um livro que fez muito sucesso recentemente. A autora, Lori Gottlieb, é a
personificação da mulher pós-libertação sexual. Carreira bem sucedida, muitos
namorados, vida sexual intensa, independente financeiramente. Perto dos 40
anos, não encontrando um parceiro adequado foi a um banco de sêmen e fabricou um
filho. Passado um par de anos se arrepende profundamente das decisões que
tomou. Escreve para as mulheres casarem ou se juntarem logo com qualquer homem
razoável sem esperar pelo príncipe encantado. Ter um filho por conta própria tornou difícil para ela encontrar um homem e sente pela criança que não tem um pai para
brincar com ela. Lori seguiu a cartilha escrita dos anos 1960 para cá. Porque se
frustrou?
O
livro Adam and Eve after the Pill de Mary Eberstadt busca levantar
essa outra parte da revolução sexual, a parte que não gostamos de falar a
respeito.
Uma
conseqüência destes tempos hiper-sexuais é o hipo-romantismo. Como se escreve e
se reclama, sobretudo por parte das mulheres, por mais romantismo! E não
encontram resposta. E agora as casadas têm mais uma nova demanda: dizem que os
seus maridos já não estão mais interessados em ter relações sexuais com elas. A
pornografia disponível na internet fez com que eles vivam fantasias que não
encontram paralelo na vida real ao lado da esposa.
“The social cost of Pornography” é um documento
publicado em 2009 e assinado por 50 pesquisadores de diversas especialidades,
representantes de um largo espectro – esquerda, direita, feministas,
conservadores, judeus, cristãos, ateus – mostrando que a pornografia não é
apenas uma questão privada e inofensiva.
Pamela Paul foi jornalista da revista Time e entrevistou mais de 100
usuários de pornografia (80% homens e – sim! – 20% mulheres) para escrever “Pornofied: how pornography is transforming our lives, our relationships
and our families”. Muitos dos entrevistados disseram que perderam a
capacidade de se relacionarem com mulheres. Eles têm dificuldade em lidar com a
mulher real e os seus casos não prosperam. Norman Doidge, psiquiatra e
pesquisador, também encontrou em homens usuários de pornografia dificuldade de
ter relações sexuais com a esposa e afirma: “Os pornógrafos prometem prazer
seguro e relaxamento, mas o que na verdade entregam é vício e perda de
prazer.”. E Roger Scruton, filósofo contemporâneo e ensaísta, acrescenta que
“os usuários de pornografia se arriscam a perder algo de muito importante: a
perda do amor em um mundo onde só o amor traz felicidade”.
A alimentação
substituiu o sexo
Talvez
um dos capítulos mais interessantes do livro é sobre a transformação que nossa
sociedade viveu nas últimas décadas a respeito do sexo e, inversamente, a
respeito da alimentação.
A
tecnologia tornou o sexo e a comida acessíveis para uma grande quantidade de
pessoas como nunca se viu antes na história. O que fizemos? Vamos imaginar –
diz a autora – duas pessoas em duas épocas diferentes: Betty é uma dona de casa com 30 anos em 1958, sua neta, Jennifer tem a
mesma idade hoje.
Betty
prepara para sua família todo tipo de comidas incluindo carnes, massas e doces.
Ela gosta de alguns pratos e menos de outros, mas não se importa muita com esse
tipo de coisa. Varia os pratos para não ficarem enjoativos. Betty pensa que alimentação é apenas
questão de gosto, algo subjetivo e sem muita importância. Por outro lado, pensa
que o sexo fora do casamento é algo objetivamente errado e, junto com suas
amigas, comentam com pesar sobre o vizinho que largou a esposa e os filhos para
ficar com outra mulher. Ela acredita que o mundo seria um lugar melhor se todos
se comportassem como ela e ela procura falar com as filhas sobre isso.
Jennifer
não cozinha, não tem filhos e vive com o namorado, mas dá muita atenção a
alimentação e tem firmes convicções sobre esse tema. Ela é vegetariana, evita
refrigerantes, comidas ricas em colesterol e calorias bem como alimentos
geneticamente modificados. Sua dieta é rica em vegetais, frutas e sucos verdes.
Jennifer pensa que há um certo e
errado sobre alimentação. Ela não condena os que se comportam diferente, mas
não entende porque fazem isso. Também crê que o mundo seria um lugar melhor se
as pessoas cuidassem melhor da sua alimentação, chegando algumas vezes a
catequizar amigas sobre este assunto. Por outro lado, pensa que uma pessoa deve
seguir seu coração e há muitas maneiras de se formar uma família. Ela é a favor
do casamento gay, do divórcio, da união consensual e do aborto. Acha que sexo é
questão de gosto pessoal e que não há um certo ou errado.
Como
dá para perceber, a moralidade do sexo e
da comida se inverteu perfeitamente. O que era importante e objetivo tornou-se
indiferente e subjetivo. A palavra ‘culpa’ é mais usada hoje para quem fica
obeso do que para quem comete um adultério.
Para alguns, como os vegans e os macrobióticos, a relação com a comida
tornou-se inclusive algo similar aos preceitos religiosos. Mas o mais
importante nessa mudança de valores é refletir se isso é pertinente a realidade
do ser humano ou não e quais as suas conseqüências.
Estudos
apontam que uma alimentação saudável implica uma vida melhor e procuramos
seguir esses conselhos. Estudos indicam que as crianças que crescem num lar
onde o pai e a mãe são casados e fiéis são estatisticamente melhores
estudantes, conseguem melhores empregos, tem uma vida mais estável e
equilibrada psicologicamente dos que foram criados em lares desfeitos. Porque
não seguimos esses conselhos? Porque
temos uma civilização puritana quanto à alimentação e licenciosa quanto ao
sexo?
O tabaco e a
pornografia
Outra
comparação interessante que mostra as incoerências e paradoxos da nossa
sociedade é a inversão de valores com
relação ao cigarro e a pornografia. Vamos voltar ao exemplo de Betty em
1958 e sua neta Jennifer em 2014.
Betty,
como seu marido e muitas das suas amigas, fuma. E fuma no quarto das crianças,
no restaurante, no carro e em qualquer lugar. Não é um assunto que dá
importância. Já ouviu falar que o tabaco pode fazer mal a saúde, mas todos
estão por aí fumando e vivendo. E, com certeza, não é um assunto de cunho
moral, apenas de gosto pessoal. Por outro lado, Betty sabe que está no mercado
uma nova revista, a Playboy, e lamenta profundamente. Ela considera isso
moralmente errado e pensa que a sociedade e as autoridades deveriam tomar uma
atitude a respeito. Jamais consentiria ver imagens desse tipo e sente inclusive
asco e desgosto pelo tema.
Jennifer
é radicalmente contra o tabaco. A mera idéia de que alguém fume a deixa
irritada. Acredita que isso é moralmente errado e gostaria que a sociedade e as
autoridades banissem o fumo de qualquer lugar. Já com relação à pornografia,
pensa que isso é um assunto de pouca importância, sempre que seja uma escolha
livre feita por adultos conscientes. Algumas vezes se sente incomodada, mas
quando seu namorado a convida a ver juntos um filme pornô não vê muito problema.
Novamente
há uma inversão completa de valores. Fumar
era bonito e hoje é feio. Já a pornografia, quando chamada de sensualidade, é
algo muito positivo e bonito. O status moral foi completamente invertido.
Durante
muitos anos, apesar dos exaustivos estudos, a indústria tabagista se negou a
aceitar qualquer relação entre fumo e câncer. Hoje a indústria da pornografia,
que rende bilhões anualmente, nega os muitos estudos existentes sobre o impacto
nocivo do seu produto.
Muitos
gostariam de comer de tudo e ser saudáveis, ter um bom emprego e não precisar
estudar, comprar tudo e ter as finanças em dia. Quando encontramos pessoas que
agem assim dizemos que são insensatas. Mas quando o assunto é família,
sentimentos e comportamento sexual, negamos veementemente a insensatez a
despeito da experiência acumulada nestes mais de 40 anos.
Mary Tedeschi Eberstadt is an American author and a research fellow at Stanford University’s Hoover Institution. She also serves as consulting editor of Policy Review, the Hoover Institution’s bimonthly journal. Her work focuses on issues in American society, culture, and philosophy.
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